Foto Ligia Jardim.
Esses dias fui assistir a peça “Macário do Brazil”, dirigida por Carlos Canhameiro. A peça é formada também por um coro de vinte jovens em torno dos seus vinte anos, que performam de forma livre com o corpo, e tem apenas algumas falas muito bem-marcadas e conduzidas. Enquanto eu os via em cena não podia deixar de pensar na seguinte frase: atuar é muito perigoso. O que me lembra também do livro de Olga Tocarkzuc, “Escrever É Muito Perigoso”, sobre o qual eu conversava com uma amiga também essa semana.
Se fosse para escolher qual é mais perigoso, atuar ou escrever, eu escolheria atuar. Apesar de ter feito poucas vezes na vida, ainda lembro da sensação de estar no palco com aquela multidão de olhos me assistindo. É algo que se assemelha a habitar o abismo sabendo que é ali que você está. É um momento, alguns minutos, segundos, em que se tem a certeza de estar vivo.
A partir desse pensamento, me perguntei se existe algum ofício que me dê ainda mais a sensação de perigo do que atuar. E foi então que me veio o trabalho do professor, educador. Que num tanto se assemelha à atuação: você, mais uma vez ou pela primeira vez, se vê cercado de olhos e ouvidos, mas, diferente da atuação, esses olhos veem você e apenas para você. Não existe máscara para a performance e, além disso, é algo que vem acompanhado da expectativa do ganho de conhecimento. Muitas foram as vezes em que antes de começar a dar aula me vi ansiosa, as mãos suando, o medo de ninguém gostar, da coisa não acontecer, mesmo já tendo feito isso mais de vinte vezes. O que me lembra meus amigos músicos que não perderam o frio na barriga antes de entrar no palco. Tudo isso para fazer a seguinte pergunta: no que se assemelha o trabalho do professor ao trabalho do artista? E mais, como funciona essa mescla de emoções e estratégias quando o professor, no caso, também é artista? Como funcionam esses dois lados da mesma moeda?
Aqui no Frestas nós acreditamos muito mais na troca de conhecimento do que no seu simples fornecimento. Dessa forma, acreditamos também que toda e qualquer pessoa tem algo a ensinar e algo a aprender. Não raro saio das aulas que ministro com ideias para o que estou escrevendo. Me lembro também da minha aula mais amedrontadora – do ponto de vista dos alunos e do meu -, no qual o tema do texto é completamente livre, contando que se escreva sobre algo que te dá medo. Contando que você sinta o medo na ponta dos dedos, enquanto digita as palavras. Ainda hoje resta em mim o dia que uma turma pediu para que eu também escrevesse esse texto. Vi o feitiço virando contra a feiticeira e até agora me pergunto se eu realmente escrevi o que me dava medo na época. Acredito que não. Acredito que eu ainda não sabia do que sei hoje, ou sabia, mas fui menos corajosa do que muitos deles ali. Também acho que o mais importante, na verdade, é a sensação que você tem enquanto escreve o texto. Não necessariamente as palavras, ou que fique bom, ou que alguém leia o que está escrito ali. Mas a sensação de entrar e sair do abismo. O pensamento de: eu posso. Estou amparado/amparada. Há outros e outras ao meu lado. Porque mais perigoso do que escrever, atuar, ensinar ou aprender, sempre é a opção contrária.